21 março, 2010

Luís Serrano*






Elegia à memória do Fernando Assis Pacheco


De ti direi
que amavas a mulher
e os filhos
e generoso eras
com os amigos

brincavas com a neta
açulavas o cão

mas choravas a horas mortas
não já nas emboscadas da guerra
mas sobre a tua vida armadilhada
porque o fim estava próximo
e tu sabias

e depois o desencanto
dum país que mete dó
o algodão branco a cirurgia
o soro da loucura

Merdalhem-se uns aos outros dizias
enquanto lembravas o pai a mãe
o avô Santiago

Já lá vão treze anos
que a tua voz se perdeu para sempre

mas ficaram por aí
uns quantos filhos da puta
e nós já sem estaleca para mandar
essa meia dúzia de canalhas à tabua.


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*Luís Serrano

Nota biográfica

Nasceu em Évora em 1938. Licenciado em Ciências Geológicas (UC). Estudos especializados na Universidade de Bordéus e em Madrid (CSIC).
Assistente da F. Ciências da UC (1967-1970), geólogo da Direcção-Geral de Minas (Porto, 1970-1975) e Investigador da Universidade de Aveiro (1975-2001). Entre 1996 e 2001, responsável pela coordenação cultural desta Universidade.

Nota bibliográfica
Colaboração dispersa em diversas páginas literárias (Região Bairradina, O Primeiro de Janeiro) e revistas (Vértice e Letras e Letras). Representado em várias antologias.
Foi um dos fundadores da revista de poesia Êxodo (1961).
Obras publicadas: A Taça e o Brinde in Caderno de Poesia Êxodo (Coimbra, 1961), Poemas do Tempo Incerto (Vértice, Coimbra 1983), Entre Sono e Abandono (Estante Editora, Aveiro, 1990), As Casas Pressentidas (edição de autor, Aveiro, 1999, uma das obras premiadas com o Prémio Nacional Guerra Junqueiro) e Nas Colinas do Esquecimento (Campo das Letras, Porto, 2004).
É ainda autor da tradução de Dieu Face à la Science de Claude Allègre (Gradiva/UA, 1998).