21 março, 2010

Henrique Dória*






Ah! palavras palavras palavras - leões
Alados - ar imortal
Para que vos quero - antes
A minha morte. Catástrofes
Ternura nos dentes de sabre
Meu velho e fiel demónio - Amor
Rasgo-te as entranhas faço-te crescer
Uma faca no crânio - regando-o
À flor misteriosa.

A flor misteriosa é subtil no uivo.

Oh! imaculada concepção
Com uma deslumbrante açucena no sexo-
Nesse lugar toda a açucena é santa
Nesse lugar apostasiei de mãos
Voltadas para o céu sem fundo.

Virgenzinhas que uivam
Voltou a lua em crescente louvando-se
No sangue - loba - lobo
Que esperais da noite?
A hiena tornou-me escravo e cobarde demais
Para vos rasgar os flancos.
Nunca praguejei mesmo vendo-me só
E de olhos enlameados entregando-se precocemente
À terra às raízes da tíliaâmbar.
Tenho bebido vidro embebido
Em absinto
Eu a taciturna esfinge
Hoje sou um lobo num quarto
De chumbo olhos
Do tamanho da lua branca
Suspensos num sol negro sete vezes maior.
Deram-me a comer os meus próprios testículos
A mim que na remota infância fui
Alimentado com leite de cabra.
Para ser verdadeiro deveria despojar-me
De tudo - das mãos-da boca-das rosas
Das palavras sufocantes
Das palavras sufocantes sim porque é sufocante toda a beleza

Construída com argila na boca.

Eles os meus olhos são agora só sangue
Solitários no fundo da ânfora
E as asas de leão levam-me
Às estrelas no fundo da ânfora
Cruel viagem porque dentro de mim
Há três pessoas
Pregadas à minha pobre pele
Dizia eu - por dentro
A boca da terceira está cozida com agrafos
Mas ela uiva uiva uiva
Ao lado da noiva uiva
Ao lado da viúva de cabeça vermelha
Ao lado do crucificado uiva uiva uiva
Demoníaca trindade
Dizendo um trinco na língua
Só sabes praguejar com pregos nos dentes
Com uma walter no lugar das mãos
Precisa de ti para viver a terceira pessoa
Mas tu não vens
Inacessível louvor do violoncelo atravessando o vidro
Solitária ilusão respiração penosa
Grito atónito por ti que nunca vens

Rima misteriosa.

Corto a pedra com três faces - aprendiz companheiro mestre
O escopro contra o coração
A matraca contra a garganta
Impelindo-me à obra
Pedra do Amor sobre Pedra do Amor
Torre sobre a língua imperfeita dos homens
Torre rumo ao farol
Espalhando a luz que ressoa sobre as águas
Fendendo o deserto com poder
Abrindo com relâmpagos a porta à majestade.

Ah! palavras que uivam dentro das palavras-
Só as palavras me hão-de amar na mansão dos mortos.

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*Henrique Dória colaborou no Diário de Lisboa Juvenil.
Colaborou na Revista Vértice.
É advogado.
Colabora na Revista Cultural da Ordem dos Advogados, “FORO DAS LETRAS”.
Tem três livros de poesia editados e dois de prosa.
É director do jornal O PROGRESSO DE GONDOMAR e da Editora XERAZADE, EDIÇÕES.