O BOSQUE DO AMOR
Somos um bosque. E um bosque dentro dos bosques. Bosque de folhas caducas e perenes, do castanho da terra ou do alto verde, das árvores erguidas mas também das árvores queimadas ou cortadas, derrubadas. Árvores que fazem a união entre a terra e o céu. Árvores debaixo das quais nos abrigamos ou recebemos a iluminação, ou árvores através das quais recebemos o relâmpago da morte. Árvores da crucificação.
Escreveu BERNARDO DE CLARAVAL, o grande impulsionador da Ordem dos Templários:
“ Acredita em mim, aprenderás mais lições nos bosques do que em livros. As árvores e as pedras ensinar-te-ão aquilo que não poderás aprender dos mestres.”
E revelava Lamartine, em “Imortalidade”: “Deus escondido…a natureza é o teu templo.”
Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro, é o destino a que cada homem, cada mulher aspira. E aqui estamos perante um livro, um filho, uma árvore do bosque de Maria.
Neste bosque tudo é simbólico, porque simultaneamente imaginário e real. O símbolo é um esforço do homem para conhecer, fixar e, em última análise, determinar o mundo.
Não são símbolos os instrumentos e as palavras que os magos usam para contactarem com os espíritos?
E a verdadeira poesia, como a que escreve Maria Azenha, não é mais do que uma aspiração à magia.
Por outro lado, conhecimento, fixação e domínio são os fins das ordens iniciáticas e, por isso, e porque aspiram ao conhecimento de que só os iluminados e os magos são portadores, as ordens iniciáticas são também ordens simbólicas e filosóficas. Através dos símbolos, os obreiros das ordens iniciáticas evocam e invocam o mundo. E Maria é uma obreira que evoca e invoca o mundo através do simbolismo do bosque das palavras, através do poema.
“ de amor ardem os bosques” é o título desta obra poética de Maria. Com letras todas minúsculas, em sinal de humildade da obreira.
A palavra amor é a chave da obra. Porque o amor é a chave que nos abre o mundo, a palavra secreta que nos permite penetrar no bosque que se encontra dentro de nós mesmos e no bosque do mundo.
Como escreveu Dante na sua COMÉDIA, e já tinha escrito Boécio em A CONSOLAÇÃO DA FILOSOFIA, só o amor une o universo.
O amor está intensamente ligado ao fogo, símbolo da destruição e também da criação. O fogo é o símbolo da presença de Deus junto do homem. Foi através da sarça ardente que o Deus dos judeus se manifestou a Moisés. E Deus é o Amor, que como diziam Boécio e Dante, une o sol e as estrelas.
O fogo é ainda o símbolo da sabedoria, da iluminação. Foi através de línguas de fogo que a luz de Deus entrou nos doze apóstolos. O alquimista cria a imortalidade no fogo do seu fornilho.
O fogo que ilumina “ de amor ardem os bosques” é o fogo alquímico do amor que transforma o interior do homem, o seu bosque.
Esta obra de Maria inicia-se com uma citação do nominalista Guilherme de Occam: “ O homem só muito lentamente aprende o seu nome.”
A citação é também simbólica. Guilherme de Occam, o grande, talvez o maior nominalista, foi o filósofo que libertou as palavras das coisas a que Platão e o cristianismo platónico as tinham aprisionado. O monge franciscano de Occam teve a humildade e a pobreza como princípios de vida e a liberdade como ideal sagrado e único caminho que leva o homem a conhecer-se a si mesmo como estava escrito no frontão de Delfos, a conhecer o seu próprio nome. A viagem através dos bosques é penosa, assustadora. Mas só através dela poderemos conhecer o nosso próprio nome.
Maria divide a sua obra em cinco partes, que denomina folhas, porque as folhas são as partes do bosque que simultaneamente são um ente em si, símbolo do reino vegetal, mas também a parte de onde o ramo, a árvore e o bosque retiram o seu sentido e prosperidade, pois que é das folhas que à árvore vem a vida, através do ar, esse elemento essencial ao fogo.
São cinco essas folhas, porque cinco é o número daqueles que iluminam o templo. Cinco é também o número do amor, o número nupcial, como ensinava Pitágoras, o número da união do princípio masculino, celeste, o três, com o princípio feminino, terrestre, o dois. O símbolo do homem, como o conhecemos do desenho de Mestre Leonardo e do ensinamento de Hildegarda de Bingen. Cinco é também o conjunto dos sentidos que nos ligam ao mundo e através dos quais o mundo se nos revela.
A primeira folha, intitula-a Maria “ da inteligência dos bosques”
E, no primeiro poema, diz-nos que estamos aqui como num templo iniciático, onde o que se passa “ À luz da lâmpada do anfitrião da casa” não pode ser revelado, e é objecto de um voto de silêncio. È também em silêncio, como em todos os templos, que devemos entrar com o coração cheio do vinho do amor. Em silêncio se contacta com a inteligência dos bosques, com tudo o que nos bosques há que, como dizia Bernardo de Claraval, nos pode ensinar muito: as aves, o vento, a água que nos hão-de ensinar a “ciência da respiração”..
Maria trabalha “ na lavoura do alfabeto”. A “centenária árvore” ensina-lhe a subtil “fonética dos insectos.”
A acácia é a árvore que está no coração deste bosque, a acácia árvore de folha perene de que era feita a arca da aliança que se encontrava no Santo dos Santos, do Templo. A acácia árvore que no dealbar do solstício de Inverno nos anuncia a luz de inúmeros sóis, a acácia com que se cobriu o corpo morto de Mestre Hiram que a ciência dos bosques fará renascer nos nove mestres seus sucessores.
Por isso a segunda folha se intitula “ da ciência dos bosques”, porque bosque e amor são inteligência e ciência, lugar onde aprendemos, o que aprendemos, e como aprendemos no ritual sagrado.
Mas o bosque é também o lugar de sombras, porque tudo no homem é simultaneamente luz e sombra, branco e negro, e a variedade infinita de cores entre o branco e o negro. Por isso a terceira folha se haveria de intitular “das sombras dos bosques”.
Esse é o espaço da solidão, da tristeza, da noite.
“ Vem pela noite um bandido
com uma mão cheia de cinzas
para nos cegar”
escreve Maria no terceiro poema dessa folha. E interroga-se Maria pensando nesses mendigos que aguardam apenas “a tigela de sopa” esmagados pelo cinismo:
“« quem é que reponde por isto?»”
Ao lado do negro está o branco, ao lado das trevas está a luz, ao lado das sombras estão as clareiras, lá onde o céu se abre límpido para homem, lá onde o homem pode receber a luz em contacto com o céu. Lá se encontram “ os roseirais do tempo”. Lá se poderá dialogar simultaneamente com o azul do céu e o verde das árvores.
“ E a árvore disse:«criei em ti o verde.
Porque me amaste
Teci em ti a ilusão da sede.
Depois,
Para que me conhecesses
Entreguei-te
Às luminárias do solo.»
É o diálogo com a divindade, como o praticou Alain Bosquet, simultaneamente tormentoso e sereno, porque, como bem sabemos, o próprio Deus deseja a sua finitude e intimidade, Ele próprio deseja as coisas simples do homem: o calor do sol, a chávena de chá, o caderno, os lírios. E assim termina essa quarta folha, “das clareiras dos bosques”:
Escreve:
No alto da manhã
prepara-se o sol
para uma chávena de chá quente.
caderno e lírios surgem mais tarde
............................................................entra,
.........................................fecha a porta.
.....................agora precisamos de paz.
Finalmente, “do coração dos bosques” é a última folha.
Na sua viagem através dos bosques, Maria perdeu o medo, porque toda a viagem é uma luta contra o medo, um modo de ir ao encontro da sabedoria, da força e da beleza.
Os bosques existem porque no seu centro está o coração. Chegados a Dezembro, ao frio, o que dos bosques resta é o coração.
Meu coração fugiu das coisas vãs
venceu as pedras o ar o espaço
para cantar disse manhã
...............................criança
...............................de
...............................água
...............................ave branca
Maria chegou à essência das coisas, à irmã criança, à irmã ave, os seres que dão sentido ao mundo. Dá-se nela o renascer das coisas. Depois de Dezembro surge a Primavera, o “ sopro livre”, “o domínio das cores.”
Perto do fim, ela, a criança, olha para trás, para o Outono, para a ceia de Natal, e descobre:
“ O amor é o que nos resta de mais sagrado”
Da memória da viagem, o amor é, sim, Maria, o que nos resta de mais sagrado no coração dos bosques.
Henrique Dória
Escreveu BERNARDO DE CLARAVAL, o grande impulsionador da Ordem dos Templários:
“ Acredita em mim, aprenderás mais lições nos bosques do que em livros. As árvores e as pedras ensinar-te-ão aquilo que não poderás aprender dos mestres.”
E revelava Lamartine, em “Imortalidade”: “Deus escondido…a natureza é o teu templo.”
Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro, é o destino a que cada homem, cada mulher aspira. E aqui estamos perante um livro, um filho, uma árvore do bosque de Maria.
Neste bosque tudo é simbólico, porque simultaneamente imaginário e real. O símbolo é um esforço do homem para conhecer, fixar e, em última análise, determinar o mundo.
Não são símbolos os instrumentos e as palavras que os magos usam para contactarem com os espíritos?
E a verdadeira poesia, como a que escreve Maria Azenha, não é mais do que uma aspiração à magia.
Por outro lado, conhecimento, fixação e domínio são os fins das ordens iniciáticas e, por isso, e porque aspiram ao conhecimento de que só os iluminados e os magos são portadores, as ordens iniciáticas são também ordens simbólicas e filosóficas. Através dos símbolos, os obreiros das ordens iniciáticas evocam e invocam o mundo. E Maria é uma obreira que evoca e invoca o mundo através do simbolismo do bosque das palavras, através do poema.
“ de amor ardem os bosques” é o título desta obra poética de Maria. Com letras todas minúsculas, em sinal de humildade da obreira.
A palavra amor é a chave da obra. Porque o amor é a chave que nos abre o mundo, a palavra secreta que nos permite penetrar no bosque que se encontra dentro de nós mesmos e no bosque do mundo.
Como escreveu Dante na sua COMÉDIA, e já tinha escrito Boécio em A CONSOLAÇÃO DA FILOSOFIA, só o amor une o universo.
O amor está intensamente ligado ao fogo, símbolo da destruição e também da criação. O fogo é o símbolo da presença de Deus junto do homem. Foi através da sarça ardente que o Deus dos judeus se manifestou a Moisés. E Deus é o Amor, que como diziam Boécio e Dante, une o sol e as estrelas.
O fogo é ainda o símbolo da sabedoria, da iluminação. Foi através de línguas de fogo que a luz de Deus entrou nos doze apóstolos. O alquimista cria a imortalidade no fogo do seu fornilho.
O fogo que ilumina “ de amor ardem os bosques” é o fogo alquímico do amor que transforma o interior do homem, o seu bosque.
Esta obra de Maria inicia-se com uma citação do nominalista Guilherme de Occam: “ O homem só muito lentamente aprende o seu nome.”
A citação é também simbólica. Guilherme de Occam, o grande, talvez o maior nominalista, foi o filósofo que libertou as palavras das coisas a que Platão e o cristianismo platónico as tinham aprisionado. O monge franciscano de Occam teve a humildade e a pobreza como princípios de vida e a liberdade como ideal sagrado e único caminho que leva o homem a conhecer-se a si mesmo como estava escrito no frontão de Delfos, a conhecer o seu próprio nome. A viagem através dos bosques é penosa, assustadora. Mas só através dela poderemos conhecer o nosso próprio nome.
Maria divide a sua obra em cinco partes, que denomina folhas, porque as folhas são as partes do bosque que simultaneamente são um ente em si, símbolo do reino vegetal, mas também a parte de onde o ramo, a árvore e o bosque retiram o seu sentido e prosperidade, pois que é das folhas que à árvore vem a vida, através do ar, esse elemento essencial ao fogo.
São cinco essas folhas, porque cinco é o número daqueles que iluminam o templo. Cinco é também o número do amor, o número nupcial, como ensinava Pitágoras, o número da união do princípio masculino, celeste, o três, com o princípio feminino, terrestre, o dois. O símbolo do homem, como o conhecemos do desenho de Mestre Leonardo e do ensinamento de Hildegarda de Bingen. Cinco é também o conjunto dos sentidos que nos ligam ao mundo e através dos quais o mundo se nos revela.
A primeira folha, intitula-a Maria “ da inteligência dos bosques”
E, no primeiro poema, diz-nos que estamos aqui como num templo iniciático, onde o que se passa “ À luz da lâmpada do anfitrião da casa” não pode ser revelado, e é objecto de um voto de silêncio. È também em silêncio, como em todos os templos, que devemos entrar com o coração cheio do vinho do amor. Em silêncio se contacta com a inteligência dos bosques, com tudo o que nos bosques há que, como dizia Bernardo de Claraval, nos pode ensinar muito: as aves, o vento, a água que nos hão-de ensinar a “ciência da respiração”..
Maria trabalha “ na lavoura do alfabeto”. A “centenária árvore” ensina-lhe a subtil “fonética dos insectos.”
A acácia é a árvore que está no coração deste bosque, a acácia árvore de folha perene de que era feita a arca da aliança que se encontrava no Santo dos Santos, do Templo. A acácia árvore que no dealbar do solstício de Inverno nos anuncia a luz de inúmeros sóis, a acácia com que se cobriu o corpo morto de Mestre Hiram que a ciência dos bosques fará renascer nos nove mestres seus sucessores.
Por isso a segunda folha se intitula “ da ciência dos bosques”, porque bosque e amor são inteligência e ciência, lugar onde aprendemos, o que aprendemos, e como aprendemos no ritual sagrado.
Mas o bosque é também o lugar de sombras, porque tudo no homem é simultaneamente luz e sombra, branco e negro, e a variedade infinita de cores entre o branco e o negro. Por isso a terceira folha se haveria de intitular “das sombras dos bosques”.
Esse é o espaço da solidão, da tristeza, da noite.
“ Vem pela noite um bandido
com uma mão cheia de cinzas
para nos cegar”
escreve Maria no terceiro poema dessa folha. E interroga-se Maria pensando nesses mendigos que aguardam apenas “a tigela de sopa” esmagados pelo cinismo:
“« quem é que reponde por isto?»”
Ao lado do negro está o branco, ao lado das trevas está a luz, ao lado das sombras estão as clareiras, lá onde o céu se abre límpido para homem, lá onde o homem pode receber a luz em contacto com o céu. Lá se encontram “ os roseirais do tempo”. Lá se poderá dialogar simultaneamente com o azul do céu e o verde das árvores.
“ E a árvore disse:«criei em ti o verde.
Porque me amaste
Teci em ti a ilusão da sede.
Depois,
Para que me conhecesses
Entreguei-te
Às luminárias do solo.»
É o diálogo com a divindade, como o praticou Alain Bosquet, simultaneamente tormentoso e sereno, porque, como bem sabemos, o próprio Deus deseja a sua finitude e intimidade, Ele próprio deseja as coisas simples do homem: o calor do sol, a chávena de chá, o caderno, os lírios. E assim termina essa quarta folha, “das clareiras dos bosques”:
Escreve:
No alto da manhã
prepara-se o sol
para uma chávena de chá quente.
caderno e lírios surgem mais tarde
............................................................entra,
.........................................fecha a porta.
.....................agora precisamos de paz.
Finalmente, “do coração dos bosques” é a última folha.
Na sua viagem através dos bosques, Maria perdeu o medo, porque toda a viagem é uma luta contra o medo, um modo de ir ao encontro da sabedoria, da força e da beleza.
Os bosques existem porque no seu centro está o coração. Chegados a Dezembro, ao frio, o que dos bosques resta é o coração.
Meu coração fugiu das coisas vãs
venceu as pedras o ar o espaço
para cantar disse manhã
...............................criança
...............................de
...............................água
...............................ave branca
Maria chegou à essência das coisas, à irmã criança, à irmã ave, os seres que dão sentido ao mundo. Dá-se nela o renascer das coisas. Depois de Dezembro surge a Primavera, o “ sopro livre”, “o domínio das cores.”
Perto do fim, ela, a criança, olha para trás, para o Outono, para a ceia de Natal, e descobre:
“ O amor é o que nos resta de mais sagrado”
Da memória da viagem, o amor é, sim, Maria, o que nos resta de mais sagrado no coração dos bosques.
Henrique Dória