26 maio, 2010

estórias de um cão que fala (III)


li há dias numa folha de jornal que quase levantava voo do chão nas traseiras da casa uma frase de um filósofo sim porque é lá que eu consigo conhecer os filósofos que são uma espécie de poetas sem versos e "a vida só se pode tornar arte quando primeiro se tornar trabalho"... mas com tantos desempregados que o meu dono diz que há na classe média e são esses que estão a complicar tudo na função pudica eu não percebo nada disso só sei que quase todos usam óculos alguns por intervalos dão aulas outros arrumados numa classe mais pequena com tendência a aumentar atravessam o Tejo a nado depois os mais danados esgravatam o céu vão a fatimah por causa de alguns poemas do alberto caeiro. em tempo de crise até o céu é mais caro se eu fosse político havia de implementar com a ajuda do nosso senhor das finanças um imposto e uma taxa para os que colocassem uma escada no terreiro do paço em público aplicava-lhes uma penitência com retroactivos toda a noite gosto tanto deles só não gosto que limpem a cidade e não deixem os restos de comida nos caixotes de lixo assim acabavam de vez com os mendigos sabiam? “ah larmes! vous n'as rien a dire?” sou um cão um cão do lixo trago trapos de nuvens no corpo e na boca que não caíram do céu a minha doença é fingir que não sou um cão a sério

é estranho ter que controlar o que se sente


Maria Azenha,
Maio de 2010, in Paisagens Textuais